“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver.”- Amyr Klink.
Começo este post com essa citação fantástica do navegador e aventureiro Amir Klink, de quem cujo livro Cem dias entre céu e mar é simplesmente maravilhoso. Quando vi essa frase pela primeira vez, passei um tempão pensando. Sempre tive muita vontade de morar fora, em outra cidade ou país, longe da minha fortaleza. Queria ir lá, ver com meus próprios olhos o que já via por meio da tevê ou de livros. Sempre tive uma curiosidade muito grande, uma vontade de me superar e desbravar novos lugares, e não importa se acompanhada ou sozinha, aprendi muito bem a lidar com a solidão (embora hoje não a queira mais).
Nasci e me criei no Ceará, terra de José de Alencar, Rachel de Queiroz, Patativa do Assaré, Chico Anísio... Apesar do sotaque (não tenho cabeça chata, vale ressaltar!), nunca fui uma cearense de coração, embora palavras como fuleragem, viçagem, catrevagem, arre égua, abestado e botar boneco sempre tenham feito parte do meu vocabulário. O Ceará tinha uma coisa que me incomodava. Não sei bem ao certo o que era, talvez um misto de poucas oportunidades com provincianismo, uma falta de zelo e de amor dos fortalezenses para com a cidade (o que pode ser percebido pela falta de cuidado do Centro, pela deterioração de prédios históricos, pela prostituição na Beira-Mar, pela quantidade de crianças na rua...). Parecia que os cearenses estavam sempre ali, prontos para deixar o lugar na primeira oportunidade que surgisse. E eu era um deles.
A oportunidade não surgiu, mas eu a criei. Então, fui para outras terras, desfrutar do frio que não sentia no lugar onde nasci. E assim, pela primeira vez, senti saudade do calor do Ceará. Em terras estrangeiras, senti o desabrigo de que tanto falava Amir Klink e pude compreender o verdadeiro significado dessa palavra. E dessa forma senti saudade do Ceará, lugar onde estarei sempre abrigada. Viajei com meus próprios pés, vi com meus próprios olhos paisagens diferentes, montanhas, neve, praias sem areia e com pedrinhas. E assim senti saudade do Ceará, onde a areia da praia de tão branca reluz, onde se pode caminhar descalço. Senti o mau humor dos espanhóis, a educação irritante dos ingleses, a arrogância dos argentinos. E assim senti saudade do humor moleque do cearense, povo que, mesmo sofrendo, faz piada de tudo.
E hoje, apenas um ano e meio vivendo em terras distantes, entendi muito bem o que Amir Klink queria dizer. Hoje, compreendo melhor o que é meu, aprendi a dar valor ao meu Ceará (e, principalmente, a tudo que ele representa). Mas, para chegar até aqui, tive de aprender a ser forte, mesmo longe da minha Fortaleza.