terça-feira, 7 de julho de 2009

Para sentir o que é seu

“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver.”- Amyr Klink.

Começo este post com essa citação fantástica do navegador e aventureiro Amir Klink, de quem cujo livro Cem dias entre céu e mar é simplesmente maravilhoso. Quando vi essa frase pela primeira vez, passei um tempão pensando. Sempre tive muita vontade de morar fora, em outra cidade ou país, longe da minha fortaleza. Queria ir lá, ver com meus próprios olhos o que já via por meio da tevê ou de livros. Sempre tive uma curiosidade muito grande, uma vontade de me superar e desbravar novos lugares, e não importa se acompanhada ou sozinha, aprendi muito bem a lidar com a solidão (embora hoje não a queira mais).

Nasci e me criei no Ceará, terra de José de Alencar, Rachel de Queiroz, Patativa do Assaré, Chico Anísio... Apesar do sotaque (não tenho cabeça chata, vale ressaltar!), nunca fui uma cearense de coração, embora palavras como fuleragem, viçagem, catrevagem, arre égua, abestado e botar boneco sempre tenham feito parte do meu vocabulário. O Ceará tinha uma coisa que me incomodava. Não sei bem ao certo o que era, talvez um misto de poucas oportunidades com provincianismo, uma falta de zelo e de amor dos fortalezenses para com a cidade (o que pode ser percebido pela falta de cuidado do Centro, pela deterioração de prédios históricos, pela prostituição na Beira-Mar, pela quantidade de crianças na rua...). Parecia que os cearenses estavam sempre ali, prontos para deixar o lugar na primeira oportunidade que surgisse. E eu era um deles.

A oportunidade não surgiu, mas eu a criei. Então, fui para outras terras, desfrutar do frio que não sentia no lugar onde nasci. E assim, pela primeira vez, senti saudade do calor do Ceará. Em terras estrangeiras, senti o desabrigo de que tanto falava Amir Klink e pude compreender o verdadeiro significado dessa palavra. E dessa forma senti saudade do Ceará, lugar onde estarei sempre abrigada. Viajei com meus próprios pés, vi com meus próprios olhos paisagens diferentes, montanhas, neve, praias sem areia e com pedrinhas. E assim senti saudade do Ceará, onde a areia da praia de tão branca reluz, onde se pode caminhar descalço. Senti o mau humor dos espanhóis, a educação irritante dos ingleses, a arrogância dos argentinos. E assim senti saudade do humor moleque do cearense, povo que, mesmo sofrendo, faz piada de tudo.

E hoje, apenas um ano e meio vivendo em terras distantes, entendi muito bem o que Amir Klink queria dizer. Hoje, compreendo melhor o que é meu, aprendi a dar valor ao meu Ceará (e, principalmente, a tudo que ele representa). Mas, para chegar até aqui, tive de aprender a ser forte, mesmo longe da minha Fortaleza.

Sobre povos e humores


Uma das coisas mais interessantes de se observar quando estamos viajando são as características de cada povo, ou, em outras palavras, o seu jeito, seu humor. E sem essa de estereótipos. Brasileiro, pra mim, não é necessariamente folgado (apesar de haver conhecido uns tipos bem folgadinhos), muito menos malandro. Também não é sinônimo de gente que quer sempre se dar bem.

Antes de morar na Espanha, tinha os espanhóis como um povo festeiro, alegre, com o humor bem parecido com o dos brasileiros. Uma vez lá, a surpresa (e ligeira decepção). Sim, os espanhóis são festeiros, adoram bares e cerveja, mas, curiosa e paradoxalmente, são mal humorados. E, sem exagero, são mal educados também (desculpem-me os espanhóis legais que conheci).

Não se espante se, ao chegar em uma loja, você der um "buenos días" e ninguém responder. Não se irrite se você disser "gracias" e não te devolverem um "de nada". Não dê a mínima se você esbarrar com um espanhol na rua e ele te comer com a cara. Obrigado, por favor e bom dia são palavras que parecem não existir no vocabulário de um legítimo espanhol, ou melhor, de um autêntico madrilenho (dizem que os espanhóis levam a fama por causa dos madrilenhos; os andaluzes, por exemplo, são bem mais simpáticos).

Passei por umas situações irritantes, quando de fato tive vontade de usar todos os palavrões que havia aprendido. Numa banca de revista, disse, muito educada: "bom dia, você tem a revista tal?". Antes mesmo de eu terminar de articular a última letra, a mulher respondeu com um abusado "pegue", sem sequer levantar o rosto e olhar para mim. Dei o dinheiro, não agradeci e saí bufando. Também não conto as vezes em que esbarrei sem querer em um espanhol, pedi desculpas e fiquei no vácuo, além de ter sido fuzilada com um olhar reprovador. Outra situação chata aconteceu em Segóvia, uma cidadezinha perto de Madri. Entrei em uma padaria e pedi uma baguete. A mulher me entregou-a enrolada pela metade em um papel. Pedi um saco, ela disse que não tinha. Argumentei que ia viajar e que não podia levar o pão no trem daquela maneira. Ela fez uma cara, partiu a baguete ao meio, enfiou-a numa sacola e disse: tome.
Trocando em miúdos, os espanhóis são um povo de poucas palavras, falam o que pensam na lata, não fazem arrodeios e não se preocupam em ser polidos.

Ao contrário dos espanhóis, percebi que os irlandeses são bem mais simpáticos, sorridentes e educados. Estão sempre dispostos a ajudar, não fazem cara feia se você os para na rua para pedir uma informação e adoram, e muito, bares, bebedeiras e um dedo de prosa. São um povo alegre, o que é curioso, pois o clima lá é quase sempre chuvoso, o céu vive nublado e o frio, então... Nos dois meses em que vivi em Dublin, não tenho nada a reclamar do humor dos irlandeses (ao contrários dos espanhóis, que frequentemente me faziam ter raiva).

Em relação aos franceses, tive a impressão de que são bastante educados. Na França, ao contrário da Espanha, obrigado e por favor são palavras obrigatórias. O mesmo vale para os ingleses. Lá, nada mais verdadeiro do que o velho estereótipo de que os britânicos são extremamente educados. É uma coisa que chega a irritar, pois, de cada dez palavras faladas por um inglês, sete são thank you, please ou sorry. Se você pisar no pé de um inglês, não se assuste se ele pedir desculpas por você.

Poderia fazer mais uma série de observações sobre outros povos que conheci e/ou convivi, como, por exemplo, argentinos, chilenos, mexicanos, italianos, tchecos, alemães, etc, mas vou ficando por aqui. Arrisquei a falar com propriedade apenas de espanhóis e irlandeses, pois os conheci melhor, já que morei em Madri e Dublin. Em relação às outras nacionalidades, com as quais apenas tive um breve contato, tudo que disse são apenas palpites, mesmo correndo o risco de cair em estereótipos. E enxergar além do óbvio é a principal coisa que devemos fazer quando estamos viajando.