terça-feira, 7 de julho de 2009

Para sentir o que é seu

“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver.”- Amyr Klink.

Começo este post com essa citação fantástica do navegador e aventureiro Amir Klink, de quem cujo livro Cem dias entre céu e mar é simplesmente maravilhoso. Quando vi essa frase pela primeira vez, passei um tempão pensando. Sempre tive muita vontade de morar fora, em outra cidade ou país, longe da minha fortaleza. Queria ir lá, ver com meus próprios olhos o que já via por meio da tevê ou de livros. Sempre tive uma curiosidade muito grande, uma vontade de me superar e desbravar novos lugares, e não importa se acompanhada ou sozinha, aprendi muito bem a lidar com a solidão (embora hoje não a queira mais).

Nasci e me criei no Ceará, terra de José de Alencar, Rachel de Queiroz, Patativa do Assaré, Chico Anísio... Apesar do sotaque (não tenho cabeça chata, vale ressaltar!), nunca fui uma cearense de coração, embora palavras como fuleragem, viçagem, catrevagem, arre égua, abestado e botar boneco sempre tenham feito parte do meu vocabulário. O Ceará tinha uma coisa que me incomodava. Não sei bem ao certo o que era, talvez um misto de poucas oportunidades com provincianismo, uma falta de zelo e de amor dos fortalezenses para com a cidade (o que pode ser percebido pela falta de cuidado do Centro, pela deterioração de prédios históricos, pela prostituição na Beira-Mar, pela quantidade de crianças na rua...). Parecia que os cearenses estavam sempre ali, prontos para deixar o lugar na primeira oportunidade que surgisse. E eu era um deles.

A oportunidade não surgiu, mas eu a criei. Então, fui para outras terras, desfrutar do frio que não sentia no lugar onde nasci. E assim, pela primeira vez, senti saudade do calor do Ceará. Em terras estrangeiras, senti o desabrigo de que tanto falava Amir Klink e pude compreender o verdadeiro significado dessa palavra. E dessa forma senti saudade do Ceará, lugar onde estarei sempre abrigada. Viajei com meus próprios pés, vi com meus próprios olhos paisagens diferentes, montanhas, neve, praias sem areia e com pedrinhas. E assim senti saudade do Ceará, onde a areia da praia de tão branca reluz, onde se pode caminhar descalço. Senti o mau humor dos espanhóis, a educação irritante dos ingleses, a arrogância dos argentinos. E assim senti saudade do humor moleque do cearense, povo que, mesmo sofrendo, faz piada de tudo.

E hoje, apenas um ano e meio vivendo em terras distantes, entendi muito bem o que Amir Klink queria dizer. Hoje, compreendo melhor o que é meu, aprendi a dar valor ao meu Ceará (e, principalmente, a tudo que ele representa). Mas, para chegar até aqui, tive de aprender a ser forte, mesmo longe da minha Fortaleza.

Sobre povos e humores


Uma das coisas mais interessantes de se observar quando estamos viajando são as características de cada povo, ou, em outras palavras, o seu jeito, seu humor. E sem essa de estereótipos. Brasileiro, pra mim, não é necessariamente folgado (apesar de haver conhecido uns tipos bem folgadinhos), muito menos malandro. Também não é sinônimo de gente que quer sempre se dar bem.

Antes de morar na Espanha, tinha os espanhóis como um povo festeiro, alegre, com o humor bem parecido com o dos brasileiros. Uma vez lá, a surpresa (e ligeira decepção). Sim, os espanhóis são festeiros, adoram bares e cerveja, mas, curiosa e paradoxalmente, são mal humorados. E, sem exagero, são mal educados também (desculpem-me os espanhóis legais que conheci).

Não se espante se, ao chegar em uma loja, você der um "buenos días" e ninguém responder. Não se irrite se você disser "gracias" e não te devolverem um "de nada". Não dê a mínima se você esbarrar com um espanhol na rua e ele te comer com a cara. Obrigado, por favor e bom dia são palavras que parecem não existir no vocabulário de um legítimo espanhol, ou melhor, de um autêntico madrilenho (dizem que os espanhóis levam a fama por causa dos madrilenhos; os andaluzes, por exemplo, são bem mais simpáticos).

Passei por umas situações irritantes, quando de fato tive vontade de usar todos os palavrões que havia aprendido. Numa banca de revista, disse, muito educada: "bom dia, você tem a revista tal?". Antes mesmo de eu terminar de articular a última letra, a mulher respondeu com um abusado "pegue", sem sequer levantar o rosto e olhar para mim. Dei o dinheiro, não agradeci e saí bufando. Também não conto as vezes em que esbarrei sem querer em um espanhol, pedi desculpas e fiquei no vácuo, além de ter sido fuzilada com um olhar reprovador. Outra situação chata aconteceu em Segóvia, uma cidadezinha perto de Madri. Entrei em uma padaria e pedi uma baguete. A mulher me entregou-a enrolada pela metade em um papel. Pedi um saco, ela disse que não tinha. Argumentei que ia viajar e que não podia levar o pão no trem daquela maneira. Ela fez uma cara, partiu a baguete ao meio, enfiou-a numa sacola e disse: tome.
Trocando em miúdos, os espanhóis são um povo de poucas palavras, falam o que pensam na lata, não fazem arrodeios e não se preocupam em ser polidos.

Ao contrário dos espanhóis, percebi que os irlandeses são bem mais simpáticos, sorridentes e educados. Estão sempre dispostos a ajudar, não fazem cara feia se você os para na rua para pedir uma informação e adoram, e muito, bares, bebedeiras e um dedo de prosa. São um povo alegre, o que é curioso, pois o clima lá é quase sempre chuvoso, o céu vive nublado e o frio, então... Nos dois meses em que vivi em Dublin, não tenho nada a reclamar do humor dos irlandeses (ao contrários dos espanhóis, que frequentemente me faziam ter raiva).

Em relação aos franceses, tive a impressão de que são bastante educados. Na França, ao contrário da Espanha, obrigado e por favor são palavras obrigatórias. O mesmo vale para os ingleses. Lá, nada mais verdadeiro do que o velho estereótipo de que os britânicos são extremamente educados. É uma coisa que chega a irritar, pois, de cada dez palavras faladas por um inglês, sete são thank you, please ou sorry. Se você pisar no pé de um inglês, não se assuste se ele pedir desculpas por você.

Poderia fazer mais uma série de observações sobre outros povos que conheci e/ou convivi, como, por exemplo, argentinos, chilenos, mexicanos, italianos, tchecos, alemães, etc, mas vou ficando por aqui. Arrisquei a falar com propriedade apenas de espanhóis e irlandeses, pois os conheci melhor, já que morei em Madri e Dublin. Em relação às outras nacionalidades, com as quais apenas tive um breve contato, tudo que disse são apenas palpites, mesmo correndo o risco de cair em estereótipos. E enxergar além do óbvio é a principal coisa que devemos fazer quando estamos viajando.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Viajar barato pode custar caro


Viajar de avião pela Europa pode, na maioria das vezes, sair bem mais barato que de trem. O que não falta por lá são companhias aéreas de baixo custo* (low cost), que oferecem passagens a um preço bastante convidativo. É possível encontrar trechos a 99 centavos de euro. Somando as taxas de embarque, um voo de ida e volta Madri/Londres pode sair por menos de 40 € (cerca de R$ 110) pela Ryanair (http://www.ryanair.com/site/ES/).

Voei algumas vezes por essas companhias, atraída obviamente pelo preço. Paguei cerca de 50 € pelos trechos ida e volta de Madri a Toulouse, na França, pela Easyjet (http://www.easyjet.com/PT/Reservar/index.asp). Em outra ocasião, voei de Madri para Liverpool por menos de 60 € ida e volta. Fui também de Madri a Paris por 126 € ida e volta, valor considerado "caro" para os padrões Rayanair, mas se compararmos com os preços das passagens aéreas no Brasil, foi uma verdadeira pechincha.

Você deve estar pensando agora que dá para conhecer toda a Europa com "pouca grana". Sim, isso é possível, felizmente. Mas, para que o tiro não saia pela culatra, é preciso uma dose de precaução, coisa que eu não tive algumas vezes, talvez por falta de conhecimento ou mesmo experiência.

A primeira coisa a fazer quando se pretende comprar uma passagem em uma companhia de baixo custo é observar qual aeroporto será utilizado pela empresa. Em muitos locais, ela opera em aeroportos de pequenas cidades, localizadas "próximas" às cidades turísticas. Quando fui a Barcelona, pela Rayanair, voei até Girona, uma cidadezinha a 103 km de distância da primeira. De lá, tive de pegar um ônibus da própria companhia aérea que custava 13 €. Além de tomar seu tempo, é um gasto extra que, às vezes, pode não compensar.

Além disso, é preciso ficar atento para depois não se sentir enganado. Na época em que comprei a passagem para Barcelona, constava no site da companhia BCN (Girona). Quem não sabe o que é Girona, certamente vai pensar que é o nome do aeroporto, e não o da cidade em que você vai ser deixado. Para ir para Paris, por exemplo, você vai encontrar Paris (Beauvais). Beauvais é uma cidadezinha a 80 km de Paris, cujo aeroporto é praticamente todo utilizado pela Rayanair. Da mesma forma, você terá de pagar 13 € pelo ônibus da companhia para ir a Paris. Então, a melhor maneira de não cair em uma cilada é pesquisar no Google e se certificar de que se trata do aeroporto, e não da cidade em que você vai parar.

Se, uma vez feitas as contas, você avaliar que vale a pena voar com uma companhia de baixo custo, outro ponto a se observar é o horário dos voos e a disponibilidade de transportes. No trecho Paris (Beauvais)/Madri, por exemplo, o avião saía às 8h da manhã. Pela regra da Rayanair, o check in é encerrado 40 minutos antes do voo. Ou seja, eu teria de estar em Beauvais até as 7h20min. O problema é que o ônibus da empresa que nos levaria de Paris ao aeroporto de Beauvais saía às 4h da manhã. Nesse horário, o metrô da capital francesa não funciona.

Dependendo de onde você esteja hospedado, pagar um táxi para ir ao ponto do ônibus pode custar caro. Seria o caso de avaliar se o valor pago pelo táxi + ônibus para Beauvais + passagem aérea sairia mais barato que voar com uma companhia que opera desde o aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. No meu caso, por falta de planejamento (não atentamos para o fato de que o metrô estaria fechado) e por pena de pagar um táxi (coisa de estudante brasileiro liso), eu e uma amiga optamos por ir de trem para Beauvais. O problema é que o trem atrasou - coisa raríssima na França, e, por cinco minutos, perdemos o voo para Madri. No fim, tive de pagar 70 € para remarcar o voo. Foi um barato que saiu muito caro.

E essa não foi a única vez que perdi um voo. Também por menos de cinco minutos fui proibida de embarcar para Barcelona (Girona). Vale ressaltar a rígida regra da Rayanair: o check in se encerra 40 minutos antes do horário do voo, e nem um minuto a mais. Como não tem jeitinho brasileiro que funcione, é bom apressar o passo.

Para terminar, uma última dica é atentar para a bagagem. Nessas empresas de baixo custo, você tem direito a levar como bagagem de mão uma mala pequena (ou mochila). Se isso não for suficiente e você quiser despachar uma segunda mala, terá de pagar 10 € a mais se voar pela Rayanair e 11 € pela Easyjet.

Apesar das "regras" que constam nos sites das empresas, em se tratando de companhias de baixo custo, é preciso estar sempre preparado para uma surpresa. Quando viajei de Madri para Dublin, optei por despachar uma mala e paguei 10 € a mais no momento em que comprava a passagem - quando você está efetuando a compra pelo site da companhia é dada a opção de despachar ou não malas. A princípio, iria levar uma segunda mala como bagagem de mão, mas na hora do check in acabei optando por despachá-la. Fui ao guichê da companhia e paguei 20 € para despachar essa segunda mala. Na volta de Dublin para Madri, imaginei que o procedimento seria o mesmo, já que a companhia era a mesma. Separei, então, 20 € (todo o dinheiro que me restava) para pagar pela segunda mala. Só que na hora do check in, depois de uma conta mirabolante, a funcionária me diz que teria de pagar 280 €, 10 € por cada quilo "excedente". Quase caí para trás, pois, obviamente, não tinha esse dinheiro em mãos, e eles não aceitavam American Express, o único cartão que eu dispunha naquele momento. Após passar um grande sufoco, tentando sacar o dinheiro em vários caixas eletrônicos sem sucesso, consegui embarcar sem pagar os 280€ - a funcionária vez vista grossa ao me ver à beira de um ataque de choro. Nesse caso tive sorte, mas, depois do susto que passei, a dica que dou é que o melhor é se informar antes, apesar de ser a mesma companhia, parece ter regras distintas em cada país.

Depois disso tudo, você deve estar pensando que não vale a pena viajar com companhias de baixo custo. Não é bem assim. Vale a pena demais, com a devida precaução, atentando para os aeroportos utilizados pela companhia e para o peso da sua bagagem. Se você se animou e pretende botar os pés na estrada, ou melhor, nos ares, aí vai outra dica. O site http://www.rumbo.es/ te dá todas as opções de voos de todas as companhias aéreas que operam no trecho que você quer, hierarquizando as informações por ordem crescente de preços. Agora, é só pesquisar, se planejar e boa viagem!

* Companhia aérea de baixo custo é uma companhia aérea que oferece baixas tarifas eliminando custos derivados de serviços tradicionais oferecidos aos passageiros. Isso quer dizer que não existe serviço de bordo gratuito, sendo cobrado qualquer serviço diretamente do passageiro (água, lanches, fones de ouvido). Também não há lugares marcados, ou seja, é bom que o passageiro embarque o mais cedo possível para garantir um bom lugar no avião.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Da série Viver a cultura local





Nada mais tradicional na Espanha do que as famosas touradas. As figuras do touro e do toureiro estão estampadas em todos os lugares, em todo tipo de souvenir. É impossível deixar o país sem levar uma lembrança - um chaveiro, um ímã ou um postal - dessa prática que remonta ao século 3 a.C.

A tourada surgiu como um esporte popular, com raízes em cultos religiosos ancestrais, onde o animal era celebrado como deus da fertilidade pelos povos do Mediterrâneo, na Antiguidade. Antes de casamentos, o ritual exigia que o noivo matasse um touro para invocar uma união próspera, explica o antropógolo holandês Marco Legemaate, em entrevista à revista Super Interessante. Posteriormente, na Idade Média, a matança de touros já havia se consagrado como exercício de coragem e destreza na Penísula Ibérica.

O relato mais antigo de algo semelhante às atuais touradas aparece em 1135, como parte dos festejos da coroação do rei de Castela e Leão, Afonso VII. Naquela época, o toureiro era um nobre que enfrentava o touro montado a cavalo e armado de uma lança. Ao povo, só lhe restava a tarefa de ajudar a liquidar o animal. No entanto, com a chegada à Espanha da dinastia francesa dos Bourbon, no início do século 18, a dinastia local abandonou esses prazeres "rústicos" para se entregar ao luxo da corte, abrindo espaço para boiadeiros e camponeses criarem as touradas modernas.

Atualmente, o espetáculo, de tão popular, lembra uma partida do campeonato brasileiro (exageros à parte). Casa lotada, público vibrante, gritos de guerra, aplausos e mais aplausos - e não importa se foi o toureiro quem atingiu o touro ou o contrário, o público vibra de qualquer jeito. De fato, existem hoje 325 arenas na Espanha, palcos de 17 mil touradas por ano, movimentando mais de 1 bilhão de dólares e empregando 200 mil pessoas, quase 1% da força de trabalho do país (fonte: Super Interessante, edição 183).
Apesar das cifras, a prática gera polêmica. Para uns, é a mais legítima expressão da cultura espanhola. Para outros, o ritual não passa de uma tortura sádica - contra os bichos, claro. Eu fico com a última opção. Tive a oportunidade assistir a uma tourada na Plaza de Toros de Madri - por mera curiosidade, diga-se -, e o que vi me embrulhou o estômago. A cada espetáculo são sacrificados seis touros, que posteriormente são vendidos a açougues. Não importa o que se faça com eles depois, o fato é que os bichos sofrem por aproximadamente 45 minutos, perdendo uma grande quantidade de sangue, antes de serem finalmente mortos.

Tudo começa com a entrada do toureiro na arena, "armado" apenas de uma capa vermelha, usada para atrair o animal. Enquanto o toureiro cansa o touro, que corre de um lado para outro atrás da capa (o público vibra com `olés´), entra em cena os picadores, que nada mais são do que homens montados a cavalo que espetam o touro com lanças, visando diminuir a força dos músculos do pescoço e das patas dianteiras do animal. Nesse ritual, o bicho chega a perder quase dois litros de sangue.

Como se não bastasse, entra em cena então os banderilleros, que cravam varas com pontas de arpão na parte de trás do pescoço do touro, região cheia de terminações nervosas. No geral, seis banderillas são cravadas no animal, com o objetivo de enfurecê-lo para a luta final. Com o animal já bastante debilitado, volta à cena o toureiro, que dá a estocada final numa região chamada "olho das agulhas", localizada entre os ossos na junção do pescoço. Uma lança de 90 cm de comprimento atravessa o animal, atingindo a aorta. A morte é imediata. Como prêmio para um desempenho excepcional, o toureiro recebe a cauda e as orelhas do touro.

E esse ritual se repete seis vezes em uma única noite. Após a morte do quarto touro, retirei-me do local. O que mais me intrigava era a euforia com que o público vibrava a cada lança cravada no lombo do animal. Seria a manifestação de nossos instintos mais primitivos? Deixo essa parte para algum sociólogo (ou psicólogo, sei lá) analisar, sou apenas uma jornalista, curiosa por natureza. O fato é que deixei a Plaza de Toros com minha curiosidade saciada, porém com uma grande interrogação em minha cabeça: qual o sentido disso tudo?

sexta-feira, 22 de maio de 2009

¡Joder, coño!

Nada mais prazeroso, para quem está aprendendo um idioma, do que começar a falar os palavrões locais. É quando você sente que, de fato, está aprendendo a língua. É indescritível a sensação de pronunciar um sonoro "joder", "hijo de una puta madre", "me cago en la leche", "vete a meter por culo", e por aí vai. Mas, às vezes, habituada a tanta informalidade, uma palavra inadequada acaba escapando no momento mais impróprio.

Um dia, em Madri, enquanto preparava meu almoço, conversava com o pai do meu companheiro de piso, um jornalista chileno. Seu Raúl pergunta: Qual a comida típica do Brasil, aquela que os brasileiros comem todos os dias? "Feijão. Hum, adoro", respondi. "E você faz muito feijão aqui?", perguntou ele. "Não muito, porque não é fácil de preparar, tem que ter uma `polla´ especial", expliquei. Alguns minutos de silêncio se passaram. Vermelha, constrangida, mas me acabando de rir por dentro, disse, apontando para uma panela: "Polla não, isso aqui, como é o nome disso?". "Ah, uma `olla´, você quer dizer", respondeu ele. O diálogo parou por aí. Me virei, abri a geladeira, fingi que estava procurando algo. Em espanhol, polla, vulgarmente falando, é o mesmo que órgão sexual masculino.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Viver a cultura local


A melhor maneira de conhecer um lugar, uma cultura e um povo é frequentar os lugares que os moradores do local frequentam, comer o que eles comem, passear por onde eles passeiam, fazer o que eles fazem. Durante minha temporada em Madri, em 2008, tive sorte de "pegar" vários momentos históricos para os espanhóis. Um deles foi a reeleição do primeiro-ministro José Luís Rodríguez Zapatero. Estava realmente torcendo por ele, pois o outro candidato, Mariano Rajoy, era um direitista conservador que, exageros à parte, queria expulsar da Espanha todos os imigrantes.

Em um domingo à noite, dia da eleição, saiu a confirmação da vitória de Zapatero. Era quase meia-noite quando a TV local começou a transmitir as comemorações. Eu e meus companheiros de piso, uma brasileira e um chileno, não pensamos duas vezes, nos agasalhamos (estava no auge do inverno) e saímos andando, por quase meia hora, até o local da festa. Não tivemos a oportunidade de ver Zapatero pessoalmente, mas o que vimos valeu à pena: um povo extravasando sua alegria, empunhando bandeiras do partido (PSOE) e da Espanha, cantando hinos que nos faziam arrepiar e compreender melhor a importância daquele momento histórico para eles.

Outro momento importante foi a vitória da seleção espanhola de futebol na Copa Europa. Assisti à final em um bar lotado de espanhóis, que, a cada lance, gritavam feito loucos e jogavam cerveja pro alto. Após o jogo, saímos percorrendo as ruas do Centro de Madri. A alegria que vimos era realmente contagiante. Buzinaços, gente tomando banho nas fontes de água, uma multidão gritando e balançando a bandeira espanhola, andando pra cá e pra lá, sem rumo. Durante muito tempo, o refrão "Yo soy español, español, español!" ficou na minha cabeça.

Outra boa dica para viver a cultura local é frequentar as festas de bairro, geralmente em homenagem a algum santo. Em Lavapiés, bairro famoso por seus bares e também por ser um reduto de imigrantes, acontece em agosto uma grande festa que dura aproximadamente uns quatro dias. Tem bandinhas na rua, barracas de comidas típicas, bingos, enfim, você se sente em uma cidade do interior, no meio de uma quermesse.

Agora, se você não mora em Madri nem vai ter a oportunidade de viver um desses momentos históricos - até porque eleição só acontece a cada quatro anos, sugiro que você saia um pouco do roteiro Sol/Gran Vía e faça um passeio por Lavapiés e La Latina, região repleta de bares, com muita gente - espanhóis ou imigrantes, mas poucos turistas - andando nas ruas até o amanhecer. Independente da cidade que você esteja visitando, converse com os nativos, pergunte o que eles fazem nas horas livres, quais lugares frequentam e vá, aventure-se. Vale a pena.

Posto aqui alguns desses momentos tão inesquecíveis.



terça-feira, 12 de maio de 2009

Reaproveitar é o lema

Uma dica para quem mora em Madri, especialmente os estudantes brasileiros com pouca grana, é sair à procura de objetos desprezados pelos espanhóis, mas que podem, muito bem, ser reaproveitados. O esquema é o seguinte: uma vez por mês, a partir de determinada hora da noite, os espanhóis deixam nas calçadas de suas casas os mais variados - e inusitados - produtos. A parada é organizada, tem data fixa (no bairro onde morei, acontecia toda segunda quarta-feira de cada mês) e até cartazes de divulgação, que são afixados nos halls dos edifícios.

Pronto. É só percorrer as ruas do bairro e sair catando o que lhe interessa. E não vale ter vergonha. O negócio é comum por lá, e ninguém vai te olhar estranho se você estiver carregando um colchão usado no meio da rua (morrendo de rir, claro). Em uma das nossas investidas, eu e a Mari, minha companheira de piso, levamos para casa um DVD (descobrimos depois que não funcionava!) e um criado-mudo, que, depois de uma limpadinha, se tornou super útil. Outro dia, na volta pra casa depois da aula, achamos um colchão de casal na rua, daqueles bons, de mola e tudo. À princípio, ficamos com receio de usá-lo, achando que podia ter pulgas ou alguém ter morrido em cima dele, pois havia umas manchas escuras. Mas, enfim, nada que uma colcha de cama não resolva. Aliás, o colchão foi muito útil, vários amigos dormiram nele e adoraram (tudo bem, eles não sabiam onde o encontramos, mas é melhor que pagar um hostal, não?).

A dica está dada. Mesmo que tenha medo (ou nojo, que é besteira) de usar uma coisa usada por um desconhecido, vale o passeio. É super divertido e você descobre cada coisa. Tem colchão furado, travesseiro, gavetas avulsas, cômodas, guarda-roupas, sapatos, roupas... Quem sabe você encontra algo e faz a feira?


Duas vezes no mesmo lugar?

Despedi-me de Madri com uma convicção: nunca mais voltaria alí. Não que não tenha gostado da cidade ou que não tenha boas lembranças, mas o raciocício era: se tiver que gastar dinheiro com viagens, que seja para um lugar que ainda não conheço. Afinal, depois de morar oito meses em uma cidade, o que teria de novo para ver por lá?

A convicção desmoronou poucas semanas depois da tal despedida. Retornar a Madri está, sim, nos meus planos. Rever a rua onde morei - a "famosa" Moreno Nieto, o mercado onde fazia compras, a padaria onde comprava um pão de cinco euros quando estava chateada... Descer a ponte Segóvia à noite, vendo a Catedral de Almudena iluminada (indescritível), subir a calle Segóvia a pé em direção ao Palácio Real, passear por La Latina e Lavapiés, se perder pelas calles de Sol, ler um livro debaixo de uma árvore no jardim do Palácio (foto), fazer um piquenique no parque do Retiro... Enfim, reviver momentos que nunca serão esquecidos.

E, então, será que vale a pena visitar duas vezes o mesmo lugar? Acho que sim. E não só duas vezes, mas três, quatro... Afinal, cada visita, um olhar diferente.